A matéria do dia 07/01 na revista da Fapesp apresenta dados de uma pesquisa que avalia os benefícios do exercício físico contribuindo com desenvolvimento da memória e retardando o esquecimento nos estágios iniciais do Alzheimer. As pesquisas ainda são em animais, mas são promissoras.
Sabemos, omo profissional da área da saúde que hábitos saudáveis são fundamentais para prevenção de doenças crônico não transmissíveis. Mas estes hábitos não acontecem de um dia para o outro. O profissional deve estimular os pacientes para a construção destes hábitos. Deve ser prazeeroso para que seja da rotina de vida!
Abaixo deixo a matéria na íntegra.
Boa leitura
Abraço
Viviane
Fonte: Revista FAPESP
7 jan 2019
Liberada pelos
músculos, a irisina melhora o funcionamento dos neurônios e reduz o
esquecimento em roedores com enfermidade semelhante ao Alzheimer
fonte: http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/uploads/2019/01/irisina.jpg
Neste
neurônio, os pontos de conexão (sinapses, marcadas em verde)
com outras células foram restaurados pela ação da irisina, hormônio liberado
pelos músculos durante o exercício físicoGuilherme Braga e Mychael Lourenço / UFRJ
Fazer exercícios físicos regularmente melhora o
desempenho da memória e parece retardar a ocorrência de esquecimentos nos
estágios iniciais da doença de Alzheimer, enfermidade que atinge cerca de 35
milhões de pessoas no mundo e é marcada por perda de memória e redução da
capacidade de planejamento. Uma longa sequência de experimentos realizados com
células, animais e também seres humanos pelos grupos da neurocientista Fernanda
De Felice e do bioquímico Sergio Teixeira Ferreira ajuda agora a explicar por
quê. Em um artigo publicado on-line hoje (7/1) na revista Nature Medicine, os pesquisadores brasileiros, ambos
professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentam um
conjunto robusto de evidências de que o hormônio irisina, liberado pelos
músculos durante a atividade física, é importante para a formação da memória e
a proteção dos neurônios dos efeitos tóxicos de compostos associados à origem
do Alzheimer.
“Não
esperávamos que o efeito da irisina sobre a memória pudesse se sobressair tanto
entre os dos demais compostos que são liberados pelo exercício físico”, conta
De Felice, que também é professora adjunta na Queen’s University, no Canadá. Em
dezenas de testes que consumiram sete anos de trabalho, os pesquisadores
observaram que, por um lado, a neutralização da irisina prejudicava a formação
da memória. Por outro, o aumento da concentração desse hormônio pela prática de
exercício físico ou por injeção na corrente sanguínea restaurava o
funcionamento dos neurônios e recuperava a capacidade de aprendizado de
camundongos geneticamente alterados para apresentarem os sinais da doença de
Alzheimer.
O interesse de De Felice pela irisina surgiu há
sete anos, pouco depois de esse hormônio ser identificado pela equipe do
biólogo Bruce Spiegelman, da Universidade Harvard, nos Estados Unidos. Em
janeiro de 2012, em um congresso de diabetes, Spiegelman apresentou dados
sugerindo que a irisina funcionaria como um mensageiro químico da atividade
física – por isso seu nome homenageia Íris, a deusa grega mensageira. Liberada
durante o esforço físico, a irisina induziria as alterações benéficas do exercício
em outros órgãos e tecidos. O grupo de Spiegelman a descrevera em janeiro
daquele ano na revista Nature.
Experimentos
feitos com roedores pela equipe de Harvard indicavam que o hormônio atuava
sobre o tecido adiposo branco – abundante nos mamíferos adultos e formado por
células que armazenam energia na forma de gordura –, transformando-o em tecido
adiposo marrom – escasso nos mamíferos a partir da idade adulta, que transforma
a energia armazenada em calor. “Tive a sorte de estar na audiência e suspeitar
que a irisina pudesse ter também alguma ação no cérebro”, lembra a
neurocientista brasileira.
Há quase duas décadas De Felice e Ferreira, que são
casados e parceiros de pesquisa, dedicam-se a investigar as transformações
bioquímicas e celulares que ocorrem no cérebro nos estágios iniciais do
Alzheimer. Por volta de 2009, eles já haviam observado que outro hormônio
produzido fora do sistema nervoso central – a insulina, secretada pelo pâncreas
– desempenhava um papel importante no cérebro. Nas pessoas sadias, ela ajuda na
formação da memória e previne danos nos neurônios, as células cerebrais que
processam a informação, originando o pensamento e as memórias. Nas pessoas com
Alzheimer, a insulina deixa de funcionar adequadamente, facilitando os danos às
células cerebrais e o esquecimento (ver Pesquisa FAPESP nº 157).
Para
descobrir se a irisina poderia produzir algum efeito clinicamente relevante no
sistema nervoso central, o primeiro passo de De Felice foi comparar o nível
desse hormônio em pessoas sem problemas neurológicos e com diferentes estágios
de doenças neurodegenerativas, entre elas o Alzheimer. Em colaboração com a
neurocientista Fernanda Tovar-Moll, pesquisadora da UFRJ e do Instituto
D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), Fernanda De Felice analisou o nível de
irisina no sangue e no líquido cefalorraquidiano de 26 pessoas sadias, 14 com
perda moderada de memória, 14 com Alzheimer, 13 com demência de outro tipo, com
corpos de Lewy.
O
nível de irisina no sangue era semelhante nos quatro grupos, mas a concentração
do hormônio caía pela metade no líquido cefalorraquidiano das pessoas com
Alzheimer e demência com corpos de Lewy. Era um sinal de que nas doenças neurodegenerativas
a concentração de irisina estaria baixa apenas no sistema nervoso central, mas
normal no restante do organismo. Tovar-Moll e De Felice notaram ainda que, dos
60 aos 80 anos, o nível do hormônio aumentava no sistema nervoso das pessoas
sem problemas neurológicos enquanto permanecia constante naquelas com
Alzheimer.
Na
Universidade de Kentucky, Estados Unidos, a fisiologista Donna Wilcock e sua
equipe verificaram que a concentração de irisina estava reduzida à metade no
hipocampo, estrutura cerebral associada à formação da memória, de pessoas com
Alzheimer avançado, quando comparada ao nível nos indivíduos saudáveis, do
grupo de controle. “Como o nível do hormônio estava baixo em quem tinha a
doença, nos perguntamos se ele teria um papel importante no funcionamento dos
neurônios”, explica De Felice.
Na
etapa seguinte, os neurocientistas Mychael Lourenço, da UFRJ, e Rudimar Frozza,
da Fundação Oswaldo Cruz, iniciaram uma série de experimentos com roedores para
tentar descobrir sobre quais células cerebrais a irisina agia e como. Em um
primeiro teste, eles injetaram no hipocampo de ratos saudáveis um vírus capaz
de reduzir a produção de irisina e verificaram que os neurônios perderam a
capacidade de fazer conexões (sinapses) uns com os outros, fenômeno essencial
para a formação e fortalecimento da memória. Os animais que receberam injeção
do vírus se saíam pior do que os do grupo de controle nos testes de memória:
esqueciam que não deveriam pisar no chão de uma gaiola especial para evitar
receber um leve choque na pata e tinham mais dificuldade em diferenciar objetos
antigos de novos colocados na caixa em que estavam.
Se
a redução da irisina piorava a memória, será que seu aumento melhoraria a
capacidade de recordação nos casos em que o nível cerebral do hormônio é baixo?
Lourenço e Frozza, então, usaram três estratégias para elevar o nível de
irisina em dois modelos de Alzheimer em camundongos – em um deles, os animais
foram alterados geneticamente para apresentar lesões (agregados da proteína
beta-amiloide) típicas da doença; no outro, receberam injeção no hipocampo de
compostos tóxicos (oligômeros beta-amiloide), precursores dos agregados. Tanto
a estratégia direta de aumentar a irisina cerebral, pela injeção de um vírus
que aumenta a síntese do hormônio, quanto as indiretas, injeção no sangue
periférico ou realização de exercícios intensos, produziram resultados
semelhantes: melhoraram a capacidade de recordação dos animais. O efeito
benéfico desapareceu quando, mais tarde, os pesquisadores injetaram no cérebro
o vírus que diminui a concentração de irisina ou aniquilavam sua ação com
anticorpos que a neutralizavam.
“Os
resultados sugerem que, além de auxiliar a formação da memória, o hormônio do
exercício protege os neurônios de danos das doenças neurodegenerativas”, conta
Ferreira, da UFRJ. Suspeita-se que o efeito neuroprotetor da irisina ocorra por
duas vias. O hormônio impede a ligação dos oligômeros beta-amiloide aos
neurônios, impedindo-os de destruir as sinapses, e estimularia os neurônios a produzir
compostos essenciais para a formação da memória, como o fator neurotrófico
derivado do cérebro, o BDNF. “Agora é preciso investigar detalhadamente as vias
de ação da irisina sobre os neurônios”, afirma De Felice, que obteve um
financiamento de US$ 150 mil da Sociedade de Alzheimer do Canadá para a etapa
concluída do estudo. Ela planeja observar se os mesmos efeitos benéficos
ocorrem em um modelo de Alzheimer em macacos.
“O estimulante eixo músculo-cérebro descoberto por
esse estudo expande ainda mais o papel que os tecidos periféricos podem
desempenhar sobre a saúde e as doenças do cérebro”, escreveu a neurocientista
Li Gan, da Universidade da Califórnia em São Francisco, e diretora do Instituto
Helen e Robert Appel de Pesquisa em Doença de Alzheimer da Weill Cornell
Medicine, em Nova York, em um comentário que acompanhou o artigo na Nature Medicine.
Caso
novos estudos com animais e seres humanos confirmem a ação neuroprotetora da
irisina, o hormônio pode, no futuro, tornar-se um candidato a auxiliar no
tratamento dos estágios iniciais do Alzheimer, enfermidade contra a qual não há
medicação eficaz. “Atualmente há vários esforços para identificar moléculas
responsáveis pelos efeitos benéficos do exercício”, informa Ferreira. “A
irisina é mais uma, além de outras quatro já conhecidas.” Por ora, no entanto,
De Felice e Ferreira apostam no potencial preventivo do hormônio. “É importante
manter-se fisicamente ativo para obter os benefícios da irisina para o
organismo, em especial para o cérebro, reduzindo o risco de desenvolver
Alzheimer ou retardando seu início”, afirma a neurocientista.
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